A festa Lollipop foi um sucesso. Há os que adoraram e há os que se incomodaram e nunca mais voltarão. Há os que foram e esperam a próxima e os que não foram e lá estarão em outras edições. Daí o êxito. A diversidade é feita de múltiplas percepções e juízos. A proposta não é ser uma “baladinha divertida” e sim uma experiência feita de diversão e arte, de estranhamentos, contrastes e convivências. Uma oportunidade de perceber um pouco mais da pluralidade da cidade e das dinâmicas sociais que moldam conceitos e preconceitos.
Para nós artistas que trabalhamos na festa foi uma batalha. Era de fato uma ocupação de um espaço instituído. O lugar tem seu modus operandi. Funciona há mais de uma década, recebendo shows de Drags locais e nacionais com qualidades muitos especiais que merecem admiração e respeito. Quem foi pode conferir um pouco desse universo Queen. Também marcaram presença os Gogo Boys, um tanto imaturos na suas escolhas de figurino e movimentos, mas que agregam valor ao contexto. O público em maioria, eram de pessoas que já freqüentam a casa, o que era a idéia da festa. A mistura. E este mix foi de aproximadamente 550 pessoas.
Quanto a tal batalha, para ter uma idéia é só imaginar como foi parar uma pista “bombando” para colocar a ‘mulher sobre torno’, performance de Ana Reis (linda, densa e estonteante) que por cerca de 20 minutos, deixou boquiaberta a maioria dos presentes. O trabalho é por demais envolvente e convida ao transe a partir do manipulação do corpo feminino entre objetos e movimentos, ao som de um batuque afro e gritos por ela emanados ao microfone sob efeito de distorção. Em seguida, abrindo o show das Drags aparece a minha figura, que utilizando de signos importantes no meio – sapatos de salto e bunda de fora, dançou de forma enérgica com o ‘corpo sem face’, mascarado pelo próprio cabelo, ao som de Meredith Monk. Já o Castor criou seu ambiente místico a partir de uma persona de salto, vestido retrô e máscara, e se apropriou do espaço criando signos materializados dentro de um quarto de vidro, conhecido como aquário, e depois caminhou pela festa dilatando sua presença cabalística. E a Luana Diniz que sob a figura mascarada da Solana se transformou num espectro surrealista, desencaixada no tempo/espaço, que parecia constituir-se numa onipresença um tanto perturbadora durante toda a festa.
Se tais presenças já seriam intrigantes num “meio Cult”, ali elas estavam potencializadas pela distância que em geral se da com a arte contemporânea.
As DJs Lu Guedes, Mari Tanús e Francesca Fermata levaram um outro estilo de som que normalmente não é tocado ali, do eletro rock a David Bowie e Yma Sumac, tudo junto misturado. Sem contar que também se apresentaram como personas, cujas presenças reforçaram o estranhamento sedutor da proposta. Também a VJ Boris deu um toque super especial, mesclando vídeos de arte com outros baixados da internet, promovendo vários diálogos visuais.
Não há como ter saído ileso da festa. O público que não está acostumado com o ambiente, esteve com travestis, casais gays se beijando, e toda a variedade que compõe o grupo GLBT da cidade. Uma experiência para aprender com a convivência, o respeito e a desmistificação de tais espaços e condutas.
Ouvi de algumas mulheres o relato da sensação de estarem submetidas a um certo “preconceito ao reverso”. O normal ali é não ser heterossexual. Achei incrível os depoimentos, pois a festa de forma pacífica, oportunizou às pessoas do perfil “branco social”, burgues, universitário e hetero a sentirem um pouco do que vivem os que sofrem cotidianamente a repressão de suas presenças na sociedade. Nada melhor do que a experiência para gerar reflexões. Salientando que nada se deu no plano da violência física, mas numa atmosfera que revela contextos sociais. Não ouvi de nenhum homem hetero queixas de serem cantados além dos limites e nem sequer dentro dos limites, idéia que habita o imaginário de muitos, o medo de ser “atacado”. Neste sentido percebemos o respeito dos gays que levam famas injustas, por fatos pontuais que são tomados como generalizações.
Em se tratando da casa, houveram reclamações pertinente do público sobre a demora na fila para entrar, a falta de banheiros mais adequados para as mulheres e o despreparo dos garçons no atendimento. De fato este são problemas estruturais. Numa reunião com o promoter Robson Ax, expus tais questões num balanço crítico construtivo da festa. Na próxima edição estas questões serão amenizadas por estratégias que já elaboramos e estão sendo propostas aos donos da Heavan. Assim vamos construindo espaços mais dignos na cidade. Através do posicionamento, do experimento e da proposição.
Posso afirmar que a Lollipop é bem mais que uma festa. É uma proposta performativa no sentido da ação ocupação, pensada a partir da inquietude, da permeabilidade, da investigação e reflexão crítica, que convida os presentes a se deslocarem de suas referências habituais e perceberem um pouco mais a rede de complexidades tramadas nesta Uberlândia feita de tantas Uberlândias.
Os registros podem ser conferidos pela ótica e sensibilidade de Marco Nagoa, Guarani Lavour e Gastão Frota neste blog.
Sinta-se convidada e convidado para a próxima edição daqui alguns meses. E viva a diversidade!
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